Biomassa é ainda um termo pouco conhecido fora dos campos da energia e da ecologia, mas já faz parte do cotidiano brasileiro. Fonte de energia não poluente, a biomassa nada mais é do que a matéria orgânica, de origem animal ou vegetal, que pode ser utilizada na produção de energia. Para se ter uma idéia da sua participação na matriz energética brasileira, a biomassa responde por um quarto da energia consumida no País.
Esse percentual tende a crescer com a entrada em operação de novas usinas. Até 2006, devem começar a funcionar 26 novos empreendimentos de geração de energia a partir da biomassa selecionados pela Eletrobrás para o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA). Todos os organismos biológicos que podem ser aproveitados como fontes de energia são chamados de biomassa. Entre as matérias-primas mais utilizadas estão a cana-de-açúcar, a beterraba e o eucalipto (dos quais se extrai álcool), o lixo orgânico (que dá origem ao biogás), a lenha e o carvão vegetal, além de alguns óleos vegetais (amendoim, soja, dendê). Em termos mundiais, os recursos renováveis representam cerca de 20% do suprimento total de energia, sendo 14% proveniente de biomassa e 6% de fonte hídrica. No Brasil, a proporção da energia total consumida é cerca de 35% de origem hídrica e 25% de origem em biomassa, significando que os recursos renováveis suprem algo em torno de dois terços dos requisitos energéticos do País. A biomassa é uma forma indireta de aproveitamento da energia solar absorvida pelas plantas, já que resulta da conversão da luz do sol em energia química. Estima-se que existam dois trilhões de toneladas de biomassa no globo terrestre ou cerca de 400 toneladas por pessoa, o que, em termos energéticos, corresponde a 8 vezes o consumo anual mundial de energia primária (produtos energéticos providos pela natureza na sua forma direta, como o petróleo, gás natural, carvão mineral, minério de urânio, lenha e outros). Em 2004, três novas centrais geradoras a biomassa (bagaço de cana) entraram em operação comercial no País, acrescentando 59,44 MW à matriz de energia elétrica nacional. Projeções da Agência Internacional de Energia indicam que o peso relativo da biomassa na geração mundial de eletricidade deverá passar de 10 terawatts/hora (TWh), em 1995, para 27 TWh em 2020. Para se ter uma idéia de quanto isso representa, o Brasil consumiu 321,6 TWh em 2002.
Atuando no mercado há mais de 60 anos, a Companhia Energética Santa Elisa, localizada em Sertãozinho (SP), produz 30 MW/h de energia, o suficiente para abastecer uma cidade de 500 mil habitantes. O custo da energia produzida é de US$ 30 por megawatt/hora. “Acaba saindo mais barato do que a energia produzida em uma hidrelétrica, se considerarmos que para construir uma usina desse tipo é necessário gastar muito dinheiro. Há também os problemas ambientais e sociais”, explica o diretor administrativo da empresa, Sebastião Henrique Gomes. O diretor destaca ainda as vantagens da biomassa em termos de controle da poluição: “O uso desse tipo de fonte renovável de energia está diminuindo a emissão de gases poluentes no ambiente. Quando aproveitamos o bagaço da cana para produzir energia elétrica, também estamos preservando a natureza”. Na produção de energia a partir de biomassa, não há emissão de dióxido de carbono e as cinzas são menos agressivas ao meio ambiente, em comparação com as provenientes de combustíveis fósseis, como o petróleo.
Pesquisador do Centro Nacional de Referência em Biomassa (CENBIO), o ambientalista Orlando Nunes lembra que uma das principais vantagens da biomassa é a capacidade de renovação. “É muito importante para um país como o Brasil produzir energia onde ela será consumida e poder produzi-la sem o risco de que acabe”, diz. “O uso dessa energia gera empregos e renda ao envolver mão-de-obra local na produção. Mais de 1 milhão de pessoas trabalham com Biomassa no Brasil e o número tende a crescer.” Dados do Balanço Energético Nacional (edição 2003) revelam que a participação da biomassa na matriz energética brasileira é de 27%, a partir da utilização de lenha de carvão vegetal (11,9%), bagaço de cana-de-açúcar (12,6%) e outros (2,5%). O potencial autorizado para empreendimentos de geração de energia elétrica, de acordo com a ANEEL, é de 1.376,5 MW, quando se consideram apenas centrais geradoras que utilizam bagaço de cana-de-açúcar (1.198,2 MW), resíduos de madeira (41,2 MW), biogás ou gás de aterro (20 MW) e licor negro (117,1 MW).
Energia a partir da casca de cupuaçu
Um projeto pioneiro na produção de energia a partir de biomassa está sendo desenvolvido no município amazonense de Manacapuru. O Centro Nacional de Referência em Biomassa, em parceira com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), está testando a casca de cupuaçu como combustível para produção de eletricidade. Para o projeto, foram escolhidas 187 famílias de agricultores do assentamento de Aquidaban. Após a definição de como será feita a distribuição da eletricidade gerada, o sistema – que já está em funcionamento – deve ser inaugurado oficialmente no início de Setembro próximo. A Eletrobrás, a Eletronorte e a Companhia Energética do Amazonas (CEAM) deverão atuar como parceiros no projeto.
Para o CENBIO, o aproveitamento energético da casca de cupuaçu é um importante meio para integrar as famílias da região e gerar eletricidade de forma limpa e renovável para uma população carente. “É o primeiro projeto fora da Índia de gaseificação de biomassa num sistema isolado (não conectado à rede nacional interligada)”, explica o coordenador do projeto, Osvaldo Martins.
O princípio de transformação da casca do cupuaçu em combustível é relativamente simples. A casca, com umidade máxima de 6%, é queimada dentro de um gaseificador com pouco oxigênio. A combustão incompleta produz, no lugar da fumaça, um gás que tem poder calorífico equivalente a aproximadamente 25% daquele proporcionado pelo gás natural. Esse gás é jogado na entrada de ar do motor a diesel, reduzindo em até 80% o consumo desse combustível. Neste momento ocorre a substituição do diesel pelo gás da casca de cupuaçu. “Se o motor consumia cinco litros de diesel por hora, passará a usar apenas um litro”, explica Martins.
O objetivo do programa, segundo Martins, é mostrar a viabilidade técnica e econômica da geração de energia a partir da casca do cupuaçu na região. “Precisamos ter um cenário real do potencial da adaptação desse novo sistema no Norte do País”, diz Martins. O custo total do programa é de R$ 980 mil, financiados durante dois anos pelos fundos setoriais de energia do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Antes de mandar os equipamentos – importados da Índia – para Manacapuru, os pesquisadores fizeram modificações: “Trocamos alguns acessórios por similares nacionais. Isso facilitou a manutenção”, informa Martins. Ele ressalta que a geração de energia não é o único objetivo do programa: “Queremos, além de implementar energia, inserir uma agroindústria à rede de processamento de cupuaçu para agregar mais valor ao produto e gerar renda.